Última coisa

Gabi e Lucas permaneciam sentados na mesa do café. Os dois fingiam que manuseavam o cardápio, mas no fundo, pensavam na conversa anterior. Enquanto olhavam para um ponto fixo, os dois sabiam que tinham acabado de ter um papo difícil sobre o futuro deles.

Acostumado com o casal, que sempre frequentava o local, o garçom ofereceu a sobremesa padrão, enquanto retirava os pratos pela metade. Eles continuavam mudos. Seu Jair percebeu que o clima estava diferente. Ficou com vergonha de insistir, pede licença para se retirar e foi-se.

Lucas, que era um rapaz muito mais velho que Gabi, decidiu retomar o papo esboçando uma ideia em voz alta: 

— No fim, Gabi, foi bom que me disse tudo isso sabia? Eu sempre prezei pela verdade entre a gente e nada mais verdadeiro que a sinceridade dos fatos. Mesmo que seja difícil dizer tudo, é preciso sempre não se esconder diante do outro, né?

A garota constrangida e abalada respondeu:

 — Minha intenção nunca foi te chatear com isso tudo que eu disse, meu .

Lucas com a voz firme, rebateu:

— Ah, eu não estou chateado com essa situação e nem vou ficar. Pelo amor de deus, eu vou ficar bem sim.

Com o rosto satisfeito com a sua própria resposta, continuou:

Primeiro porque você conhece minha história e sabe que nela tem episódios bem mais dramáticos, danosos e com prejuízos mais irreparáveis do que este. Eu tenho a maturidade para saber que a vida tem dessas e sempre ficou tudo bem.

Ele parecia estar realmente bem e isso a incomodava. Ele continuou:

 — Segundo, que este cenário deve ser recorrente para ambos. Eu sempre insisto em dizer que sou como aqueles carros antigos em que todo mundo acha legal e gosta, mas ninguém compra um pra ter na sua garagem.

 — Mas, você está decepcionado comigo porque eu não dou conta de garantir nada agora né? Sei lá, é que eu sou incons…

 — Não estou decepcionado. Na verdade, você me abriu os olhos e me deu uma lucidez da racionalidade diante das coisas. Eu já tinha até esquecido que existia um lado mais lógico em mim. É bom sentir isso.

Silêncio ensurdecedor. A garota decide quebrar o silêncio, mas ele a interrompe:

 — E agora, me dou conta de que você está certa. Meu Deus! A chance disso dar errado é maior do que a de dar certo. Você tem milhares de coisas para viver, muitas experiências para aproveitar e seria completamente insanidade abrir-se para investir nisso agora. Você é tão jovem e eu já passei dos 30. São dois mundos com prioridades diferentes.

Era como se uma luz de entendimento tivesse caído sobre a mente dele. Lucas continuava chocado com a sua descoberta recente de que eles viviam mentalidades diferentes.

— Eu não sei se entendi direito, Lucas - disse a moça com medo da resposta.

 — Você…. Você ainda está naquele pique rápido de vida, querendo viver tudo e viver logo. Ao mesmo tempo em que não quer nada que seja muito concreto e rígido. Por outro lado, eu já vivi muita coisa em pouco tempo e deveria sair da sua frente para te deixar correr essa maratona… As suas dúvidas me despertam para uma realidade que eu já tinha perdido de vista: É loucura querer viver isso tudo. 

 — Mas a gente se dá super bem, Lucas. Não acho que seja isso.

 — Sim, mas afinidades não são suficiente para promover sentimentos profundos. Só que, eu costumava gostar das loucuras porque sempre foram elas que me empurraram. Talvez eu tenha perdido a passada das aventuras. 

 —  Não tô gostando desse papo, Lu…

O rosto surpreso dele como se fosse um cientista que descobriu algo importante era intacto. Ele prosseguiu:

 — Eu, por querer, me coloquei a acreditar que as coisas são mais simples do que são, porque para mim, as coisas sempre são simples e leves, mas não percebi que estava indo na direção errada mais uma vez…

Ela ainda o olhava com cara de interrogação, enquanto ele disparava a falar sem parar:

 — É claro. O mundo é enorme para você e ainda precisa andar mais e saber quando diminuir velocidade das coisas, precisa errar mais e aprender com tudo e até a perder mais e saber quando está no lucro. É boba pra você a ideia de aninhar-se num mundo de possiblidades. Estacionar é errado num mundo de estradas longas. Bingo.

Silêncio sepulcral novamente. Os dois fazem um breve contato visual e em seguida olham a volta. Parece patético aquela conversa. Ela respira fundo e recomeça:

 — Sabe, Lu. Você já viveu tanta coisa e eu ainda nem comecei a vida. Eu sinto que estou te fazendo mal com esse meu jeito inseguro e instável. É só por isso que eu não sugeri de não continuarmos com isso. Eu gosto de você, mas eu…

O rapaz pensa por mais três segundos antes de interrompê-la novamente. Aproxima-se dela, segura nas mãos e explica devagar com palavras calculadas:

 — Era óbvio que eu seria este caminhão pesado e cheio de coisas que você não sabe o que fazer. É que eu não consigo mais perder minha vida em fingimentos bobos e viver uma simulação de felicidade programada. Eu sempre optei pela realidade do que estava a minha frente, e por um descuido, eu vi só você em tela cheia quando tinha tantas outras coisas nesta cena.

Ela encheu o olhos de água. O rapaz solta as mãos dela, repensa para falar e decide continuar:

— Neste momento, eu me sinto como a vida de um agricultor que não deve colocar seus recursos em lugares que floresce menos do que precisa, que deve querer chuva mas nem tanta, que deve torcer pro sol aparecer, mas agradecer quando chegar a noite.

 — Por que está falando isso pra mim? — resmungou num som quase inaudível a menina.

 — Gabi, eu sempre vivi minha vida apostando alto e ganhando, sempre me dediquei profundamente a tudo que queria com maior vontade e disposição, e tive bastante resultados, mas, ás vezes, isso não é o suficiente. Às vezes, tudo que você tem não é nada do que outro precisa. E é esse o lance.

 — Mas eu não sei mesmo o que será amanhã, Lu. Como posso garantir algo que não sei, entende?

 — Gabi, eu sempre coordenei minha vida para saber que, se eu não existisse mais amanhã, não teria devido amor, afeto, dedicação e carinho a ninguém. Acho que tenho feito um bom trabalho. Eu sempre fiz questão de estar, de ser, de sentir e de deixar claro as emoções que tenho, mas isso, é apenas o meu jeito de ser. Por outro lado, eu sei que este é meu maior valor e que esta é uma virtude que anda em falta, e então, ao invés de ter que descobrir amanhã que eu não soube distribuir direito toda essa atenção, todo esse afeto e cuidado, eu prezo por entregar a quem faz disso o seu maior presente da vida.

 — Eu estou sem palavras enquanto você diz tudo isso com a maior naturalidade. Porque você é assim, meu?

 — Eu descobri que não posso fazer ninguém amar ou querer ficar, nem muito menos fazer alguém trair seus sentimentos. Não há pendências, então, da mesma forma que eu sei ser um bom anfitrião e receber pessoas na minha vida, eu sou consciente de saber quando aparecer e quando não, sei estar feliz e grato por não ter fingido nada em nenhum minuto.

 — Mas não é que eu não te quero, entende?

 — Eu não posso prever como as pessoas reagirão quando o peso de quem eu sou cair no colo delas. Algumas não querem, outras não precisam, outras não se importam, outras acham demais, ainda outras só não estão na mesma estação que estou.

 — E como vai ser daqui pra frente?

— Eu percebi que tenho que voltar um passo atrás na vida e canalizar minhas energias no trabalho, nos amigos e nos projetos pessoais, sei lá. Porque este é o meu futuro mais óbvio. Como foram os meus últimos anos. É isso que eu tenho pra viver daqui pra frente até que um dia alguém queira pegar o mesmo caminho.

A moça claramente deixou o rosto todo triste. Lucas a abraçou novamente, pegou no maxilar dela e disse:

 — De qualquer forma, Gabi, eu ainda estou perto, mas eu vou sentar em outro lugar neste voo. Numa poltrona do corredor em que eu consiga te ver e estar perto quando quiser me mostrar uma nuvem esquisita na janela e rir. Mas sabendo que estamos indo para lugares diferentes.

— Eu não quero você longe, Lu. Eu gosto de você. Só não posso te dar isso agora, entende?

 — Não se culpe, não me culpe. Apenas vá viver a vida levando um pouco desse tempo bom que existiu para conseguir seu espaço, suas coisas e desenhar a sua vida. Você é foda, Gabi! Ainda não sente, mas é forte. Ainda não vê, mas é uma pessoa gigante. Ainda não entende, mas é sensível. Essa é você. 

Ela permanece quieta e ele finaliza:

 — Como sempre digo: Um dia, você vai entender a pessoa extraordinária que é, com todos os pequenos detalhes que eu sempre curti em você. Aí, quando encontrar um lugar seguro para permanecer a vida toda, não terá receios de viver aquele momento. Sentirá que é a melhor decisão da sua vida. Neste dia, eu vou saber que você descobriu que era incrível para alguém e esse alguém é incrível para você. E eu vou sorrir, mesmo daqui, por saber que conseguimos. Chegamos lá.

O rapaz abre a carteira, deixa meia dúzia de notas na mesa e se levanta. Dá um último abraço nela, um beijo na testa e sai andando como quem tem pressa de viver. Quando já tá meio distante, ele grita:

 — Viu, última coisa: Você merece o mundo inteiro….. e obrigado até aqui.

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Dois furos na cara pra acompanhar um sorriso juvenil

Paro diante do lugar combinado e também da minha ansiedade por entender melhor aquele momento. O motorista confirma o local apontando o dedo para a entrada do estabelecimento. Um hambúrguer de improviso no meio da semana não é nada mal.

Agradeço o piloto. Paro em frente ao local, checo mais uma vez o celular e vejo, acidentalmente, ela olhando o celular pela vitrine da frente. Ela não nota, mas eu fico a olhando dali aquela única mesa ocupada.

Subo as escadas e lá está ela. Linda. Roupa colorida como ela sempre é. Portando os mais irresistíveis dois furinhos bem no meio das bochechas. Um atentado a delicadeza. Um convite a apreciação. Um talento natural da beleza.

Chego fazendo barulho. E ela, com uma saudação tímida. Nos cumprimentamos como dois estranhos que éramos. Sorrio e falo. Ela mal olha no meus olhos. Timidez? Vergonha? Receio? Não importa, eu fiquei aficionado por aquele sorriso nobre de menina simples.

Peço uma sugestão do cardápio, ela me indica com coragem. Vejo as outras opções, por esporte, mas nada mais me agrada. Ela ali, ainda sem saber o que falar direito. Ainda sem entender o que a levou a topar o convite. Eu decido: “Chefe, vão ser dois desse aqui”. Fazemos o mesmo pedido.

Eu sabia que os dias dela tinha sido difíceis. Pelo menos, era o que via. Mas ela mantinha um olhar de tranquilidade, uma respiração fracionada, era como se todas aquelas coisas estranhas que lhe acontecera fosse apenas mais uma parte da vida. Ela sabia disso.

Naturalmente, ela se abria na medida em que via que eu não era um maluco que queria apenas a levar para um encontro brega. Eu estava realmente interessado em saber mais sobre ela, em desvendar aquela coração impulsivamente juvenil, em descobrir quais eram as ideias que guiam aquele coração simples.

Enquanto ela me falava sobre a infância andando de skate com os meninos, sobre a infância atípica, eu pensava que era exatamente isso que eu esperava dela. Ela me falava sobre os pais, sobre a época de colégio, sobre os dias e percebi que tinha vivido muito mais coisas que ela, mas que éramos meio parecidos.

Ela deixou o lanche pela metade. Eu devorava o meu, mas também me alimentava da calmaria do olhar sereno, dos pequenos espasmo de doçura dela enquanto a ouvia atentamente falar sobre tudo. Cada palavra dela me interessava.

Olhava fixo para seu rosto até que sentia o incômodo vagarosamente ir embora e ser trocado pelo sorriso involuntário. Ela fazia piadas como quem queria me divertir, e eu, seduzido pelo bom senso de humor.

Batemos o olho no relógio, e eu, que costumeiramente não paro de matracar historias absurdas como uma coleção de trilogias pessoais sem fim, encerrei o papo. Não sabia se ela estava entediada com minhas histórias, ou se era apenas um pouco de frio que fazia no salão. O restaurante fecharia cedo.

Digo que vou esperar meu motorista e ela oferece carona. Recuso. Eu sei que ela mora bem longe, e que precisa descansar de todo aquele tédio documental que a proporcionei durante a noite. Ela insiste que vai esperar comigo.

Quando o carro aponta, ela me dá um abraço. Firme. Ainda tímida, ela tenta me largar, mas eu a seguro por mais um pouco entre meus braços. Sinto ela relaxar.

Antes de entrar no carro, grito: “Me avisa quando chegar?”. Sem olhar para trás, ela sorri e responde com voz de risada: “Pode deixar”. Abro a porta do carro ainda a olhando.

No caminho pra casa, fico com a fotografia mental daquelas cabelos ainda molhados de quem saiu as pressas de casa, os olhares desgovernados de timidez, aquela roupa colorida e alegre, a boca bem desenhada e as covinhas que enfeitavam o rosto harmônico de uma menina incrível.

Aliás, ela não era só uma menina, era uma mulher que ainda não se deu conta do que tinha se tornado, do que merecia conquistar e de tudo que ainda ia acontecer de bom. Ela era um pote de ouro no fim do arco-íris, que um dia, ia se dar conta de que era uma raridade no meio do comum.

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Não sei porque nos distanciamos se a gente era tão legal juntos

O sol se punha apontando o fim do expediente. O dia todo cheio de reuniões inúteis intermináveis e e-mails cheios de inexatidão pra todo lado. Checou o celular que explodia de mensagens variadas. No meio delas, um fio de esperança surgia em poucos carácteres.

“Eu tava pensando aqui, faz tempo que estou para devolver suas coisas que ficaram comigo da última vez. É que já tem muito tempo e depois não nos vimos mais. Queria devolver para você. Quando podemos marcar?”.

Ele nunca se importou com a ausência das suas coisas, mas sim com o afastamento da moça. É como se aquela mensagem conseguisse trazer vida para um dia complemente sem graça. Uma ótima oportunidade de revisitar o mundo dela que tanto gostava.

Por um instante, veio na memória, dois ou três encontros memoráveis em que se lembrava de como era legal estar com ela e como sempre tinham assuntos sobrando juntos.

Mesmo depois de muito tempo, ele nunca tinha esquecido das coisas que ela costumava falar sobre a vida, da maneira como ela se abria gratuitamente, de como pareciam ter afinidades incomuns e se deu conta de que nunca esqueceu o jeito atrapalhado e divertido que ela tinha de ver o mundo.

Sem se preocupar com as consequências mais imediatas, resolveu arriscar um convite emergencial:

— Podemos nos encontrar naquele café de sempre? O que me diz?

Ela digitava, apagava, digitava, repensava, digitava, reformulava. Num impulso de vontade e curiosidade resolveu mandar:

— Podemos. Quando?

— Agora, é ruim?

Não estava panejando nada parecido com isso para aquele dia, mas realmente precisava devolver as coisas dele. A culpa por estar ainda estar com elas a deixava preocupada. Resolveu perguntar para confirmar:

— Agora… tipo, imediatamente?

Sem hesitar, o rapaz patrocinou a sua afirmação:

— Sim, porque não? Anda ocupada?

Ela lembrou-se de que realmente não tinha compromissos marcados e que talvez fosse legal entender melhor como ele estava e reatualizar o papo.

— Bom, na verdade, não. Está tudo bem tranquilo. A pandemia fez tudo ficar mais calmo por aqui. Me dá uns minutos e te confirmo, pode ser?

— Sem problemas. Vai ser bom te ver.

Por um momento, lembrou-se das limitações em que os estabelecimentos estavam submetidos e resolveu confirmar:

— Mas, tava pensando aqui… esse horário, será que ainda está aberto o café?

— Vamos lá ver! Se tiver fechado, descobrimos outro lugar para ficar.

— Tá. Você já vai sair de casa agora?

— Sim, em 10 minutos estou lá.

— Ok. Combinado.

— Ok ;)

Ele chegou primeiro, tomou a mesa do lado de fora. Ela despontou na esquina sempre na sua simplicidade elegante. Ele adorava como ela se vestia nas informalidades.

Nela, ainda aquele olhar celeste pelas coisas simples. Por dentro, ela era um furacão desgovernado de sentimentos vivendo um conturbado turbilhão de acontecimentos recentes. E por fora, ela mostrava uma tranquilidade senil espelhada nos olhos azuis.

Um abraço apertado causava uma das sensações que já havia esquecido. Foi logo justificando que sentou do lado de fora porque havia visto uma funcionária do café limpando o chão com as cadeiras em cima da mesa.

Foram conferir e a porta realmente estava fechada. O sinal da funcionária com a mão indicava o fechamento.

— Conheço outro lugar na próxima esquina, está aberto. Podemos ir lá?

— Claro. Vamos lá.

— Não tem café, mas podemos beber outra coisa. Pode ser?

— Vamos.

Sentaram, e na conversa e descobriram que ainda tinham bastante coisas em comum. Trocaram experiências sobre outros relacionamentos, lamentaram que a cidade estava vazia, compartilharam angústias de momentos distantes, confessaram uma série de inseguranças e medos, coadunaram numa consequência de falas que reforçava ainda mais a afinidade visível.

— Bom, é sempre bom te ver, suas coisas estão aqui. Desculpe demorar para devolver é que…

— Está tudo bem. Foi bom demorar para devolver, assim eu poderia te ver mais essa vez.

A timidez da moça a fazia desviar o olhar sempre que estavam falando de coisas delicadas, enquanto, ele no seu conhecido excesso de palavras, tagarelava sem parar sobre tudo. A hora passou. As horas passaram.

— Nossa, acabei de ver no seu relógio. Está bem tarde, preciso ir. Vou chamar minha carona tá?

— Ah! tudo bem.

— Eu sei que estou sem trabalho no momento, mas afinal de contas, estamos no meio de uma pandemia né?

— É, claro, você está certa. Precisamos ir. Vamos esperar ali fora então?

Tagarelaram mais um pouco sobre as coisas mais absurdas. O ponto do feijão, as mega cidades e seus danos mentais, os erros e acertos da vida comum e também como precisavam repetir esses encontros mais vezes. Ela despediu com mais um abraço confortável e entrou no carro.

Na volta pra casa, ele caminhava pensativo, quando se lembrou da primeira vez que a beijou no susto e do estado hilariamente imóvel em que ela ficou como se não acreditasse no que estava acontecendo, recordou-se de quando frequentavam o cinema sem se importar com o filme que passava, de quando se embriagaram no famoso bar que nem existe mais e de quando não terminaram de ver o filme indicado naquela noite do quarto frio e o abraço quente.

Conciliou-se com a teoria de que o mundo faz umas pegadinhas malucas com a vida da gente. Queria a ver mais. Há reencontros que servem como um baluarte da saudade. Faz bem pra gente.

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Não queria que ficasse chateada

O rapaz não hesitava. Sempre que via uma oportunidade de ser realmente engraçado, fazia questão de destilar comentários cômicos para provocar o riso dela.

Ele adorava o jeito que ela tinha de espremer os olhos durante o seu sorriso e esconder a risada com a mão na frente da boca para no final brindar com um breve resmungo de “ai,ai”.

A menina, por sua vez, achava graça do pouco que ele dizia, toda vez que ele insistia em fazer graça, mesmo que com meia dúzia de palavras, ela admitia que era feliz.

Foi numa dessa recuperações de fôlego de tanto rir, que a moça decidiu, manisfestar-se:

— Sabe de uma coisa? Mesmo a gente não tendo nada oficial, eu gosto muito de estar com você. É como se meu dia ficasse melhor ao seu lado.

Silêncio. Nenhuma reação do rapaz. Nem positiva, nem negativa. Era como se a calada da noite velasse um defunto. Dentro do carro fechado, escutava-se apenas a chuva bater na lataria do carro.

A mudez imediata do rapaz vinha acompanhada de mais uma golada intragável de saliva. Todo desconsertado, sem saber direito o que fazer com toda aquela avalanche de constrangimento, ele resolveu disparar:

— Olha, eu queria te contar uma coisa. Mas, não queria que ficasse chateada?

O resto do sorriso que lhes sobravam no canto da boca decidiu ir embora. Sobejava desconfianças de que algo ruim não estava por vir. Escapava-lhe pelos olhos um pouco de tensão.

A menina olhava atenta como quem não fazia ideia do que ia vir. Fechou os olhos com força e os abriu na mesma intensidade. O garoto se ajeitou no banco do carro, virou-se para ela, pegou nas mãos com as pontas dos dedos e insuflou:

— Sabe o que é? A gente realmente se deu bem em tudo desde o começo até o que fizemos até agora. Eu queria que você soubesse que tudo que vivi com você é real e que não há nada que tenhamos vivido que tenha sido encenado.

O coração da garota trancou-se num quarto pequeno do seu corpo como se tivesse voluntariamente sofrido um mal-súbito. O rapaz nem tinha terminado as suas conclusões, e na mente, passeava de mãos dadas com uma sequencia de possíveis caminhos que vinham surgindo como uma fumaça num café quente.

— Eu não to gostando desse papo, Leonardo — não escondia a voz aflita e trêmula de quem mesmo sem conclusão já a tinha bem a frente da sua racionalidade. Inundou os olhos numa angustia sufocante.

— Sá, olhe bem… — tentando acalma-la com uma culpa enorme.

— Não, Léo. O que é que você quer falar? Diga logo de uma vez! — percebeu que subiu a voz mais do que deveria e fingiu não se importar.

— Eu estou tentando te dizer faz uns dias. Eu sei que adiei demais para conversar sobre isso com você, mas é porque a gente estava vivendo dias tão legais que eu não queria quebrar isso. Espero que entenda, mas eu realmente não consigo te amar. Não te odeio, sabe, mas não sinto aquela coisa a mais que a gente sente quando ama.

Mais uma vez, o silêncio encobria o ambiente. A aflição patrocinava o mais absoluto incômodo. Ela recolheu as mãos para suas pernas, abaixou a fronte, puxando repetidamente o ar para dentro enquanto disfarçava o nariz escorrendo. Sem coragem de olhar para a cara dele. O silêncio quebrou-se com um suspiro inaudível:

— Não faz isso comigo… Eu confiei tanto em você...

Pressionava o polega e o indicador um de cada lado da cabeça, bem na altura das sobrancelhas, como um truque para aliviar a dor.

— Eu sei, Sá…Vai parecer cruel agora, mas tenta entender. Não é justo com você e nem comigo que permaneçamos em algo que apesar de ser legal, não tem um sentimento concreto, sabe?

— Dá para parar de repetir isso, seu imbecil?

— Mas… bem… eu to sendo sincero. A gente sempre combinou isso.

— É? Combinou né? Sabe o que mais a gente combinou? De não deixar com que bobeiras atrapalhassem a gente, lembra?

— Isso não é bobeira. Eu juro que tentei entender. Ignorei por um tempo essa falta de sentimento, mas eu não posso mais fingir que amo você como uma namorada. Você é uma menina da qual eu admiro demais, mas eu realmente não pude chegar lá nesse lugar do amor.

Adocicou um pouco a voz como quem tentava recuperar um pouco da sanidade:

— Você me enganou esse tempo todo, foi?

— Não, Sá… Esses dias todos foram realmente algo diferente na minha vida. Eu juro. Só que…

— Só que o que? Você me acha feia? Você cansou de mim? Você achou alguém mais interessante? O que que foi que aconteceu pelo amor de Deus?

— Olha pra mim…. não é nada disso. Eu não sei. Não tem nada de errado com você. Eu não quero mais sentir-me como seu eu tivesse te usando, sei lá. Como se eu tivesse feliz, mas eu não estou. Só peço que entenda que eu tenho também esse direito de encontrar esse amor que eu acredito que exista, saca?

Os olhos já não conseguiam mais simular uma serenidade inexistente.

— Olha, Leonardo, eu nem sei o que te dizer.

— Diga que vai ficar bem.

— Ai, chega. Eu quero ir embora. Estou me sentindo uma idiota.

A garota tateia a porta do carro enquanto tenta enxugar com uma das mãos o rosto até encontrar a maçaneta. Desce do carro com a plena consciência de que aquela será uma cena memorável para o resto da vida. De repente, decide voltar até a janela do carro e deflagra:

— Mas, sabe… eu vou te odiar pelo resto da minha vida por isso.

— Não vai não, Sabrina.

— Eu vou sim!

— Você vai ser feliz. Bem mais do que é agora.

— Vai se foder, Leonardo.

— Não precisava ser assim.

— Você é um idiota. Vai embora.

Só deu o tempo de virar a esquina para que ambos tivessem a mais convicta e plena certeza de que o amor é muito mais que se dar bem.

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Como chegamos aqui?

O silêncio gritante velava toda a mesa. Não sabiam como tinha chegado naquela situação. Ela não havia tocado sequer nas bruschettas preferidas que pediram de entrada. O rosto azedo dele devido ao suco de laranja sem açucar era sua maior expressão.

Ele mantinha os olhos completamente fechados como se enxergar fosse um castigo bárbaro. Ela apenas permanecia ali, de cabeça parcialmente curvada e a franja sobre o rosto, enquanto usava os cotovelos para o apoiar-se sobre a mesa que mal cabia o cardápio e ainda por cima bamba.

Ouvia-se apenas o barulho dos garfos batendo nos dentes das mesas vizinhas. Tamanho mudez era incômoda. No meio da palma da sua mão, ele assistia às alianças, uma dentro da outra, se completando. O dela era 13. O dele 32.

Interrompeu o silêncio com uma dúvida:

— O que eu vou fazer com isso, Milena?

Abatida, ela retrucou de imediato:

— Eu não sei, eu tô me sentindo esquisita também.

O rapaz, insistentemente, recomeça:

— Meu amor, olha… eu entendo isso tudo, mas o que foi que aconteceu? Me conta.

A menina engole a saliva como quem lida com um espinho de peixe na goela:

— Pela primeira vez na vida, o “nada” é só nada mesmo. Eu juro. Eu não sei explicar. Você é um anjo, mas…

— Calma, meu amor, não fala assim..

— Não faz isso, Rique.

— Isso o que?

— Essa coisa de “Meu amor”.

— E como é que te chamo agora?

— Só Mi, por favor.

O rapaz respirou fundo. Fez cara de pensativo e desembuchou:

— Ok! Ok! Presta atenção, e se for uma fase?

— Rique… Não vai ser. Você sabe. Lembra quando me disse que precisaríamos sempre ser honestos? Eu te amo, Rique. Não mais como parceiro, mas nunca posso me esquecer de você. Eu estou apenas perdida nisso há tanto tempo..

—Mas todo mundo é perdido, meu am.. Mi!

A garota sorri com ar de bondade, levanta o rosto do rapaz com as mãos e confessa:

— Escuta aqui, meu bem. A gente construiu tanta coisa juntos que não estamos conseguindo pôr um fim no que não está mais funcionando.

O rosto dele é nitidamente abatido. O semblante da derrota.

— Milena, onde foi que quebrou? Em que lugar a coisa degringolou? Me ajuda a entender… Tava tudo bem até agora, Milena. Pelo amor de Deus.

— Calma, Rique. Vai ficar tudo bem.

— Não vai, Milena.. o que eu vou fazer da minha vida sem você?

—Você vai viver, Rique. Sei lá… Manda aquele chefe cuzão a merda, diz pro seu pai que nunca gostou de pesca, fala para sua mãe que odeia o jeito infantil como ela te faz parecer perto dos outros – embora você também seja às vezes.

Ele não aguenta e ri, mas claramente de desespero.

— Aí ó, você é engraçada. Tá vendo? Podemos nos dar bem novamente.

— Não, escuta… Vá viver.. por você, por mim. Pelo que a gente construiu, Rique.

— Não entendo. Você me diria se houvesse alguém, né?

A garota relaxa os ombros como quem tem a conciencia limpa:

— Você sabe que não sei fingir. Não tem ninguém. Não agora.

— Eu não sei o que pensar, sabe…

—Você passou a vida toda pensando, meu bem. Agora só sinta.

— Eu só quero você comigo feliz novamente, gata.

— Eu não posso estar com você agora. Eu não sei mais quem eu sou. A gente se tornou uma coisa só e chata. Mas não é nossa culpa, entende?

— Eu gosto de ser quem eu sou, Mi.

— Rique, olha pra você. Você é exatamente quem eu quis que você fosse. Não é mais você. Você achava cafona meias estampadas que destoam do look e olha seus pés. Você aprendeu a tomar cerveja fraca porque eu amo…

— Isso é uma coisa boa. Você me ensinou. Me mudou. Me fez melhor.

— Mas eu me perdi nisso tudo… — o silêncio voltava com tudo — você me entende?

— E o que eu faço que com o amor que eu sinto aqui dentro?

— Divida. Você tem tanta gente pra amar ao seu redor.

— Sabe, foi esse seu jeito calmo de explicar as coisas que me encantou em você.

— Riiiiiique…. Prometa que vai sempre usar esse poder de insistência disfarçada de elogio pra ajudar pessoas?

—Essa é nossa última conversa?

— Não, ainda não, Rique. A gente tem bastante coisa para resolver ainda.

— Então, vai ter esse dia?

—Eu preciso ir agora.

— Deu a hora da sua terapia né?

— É.

— Diz a ela pra cuidar bem de você.

— Digo. Se cuida também.

— Eu pago seu café.

— Obrigada.

A garota levantou da mesa. Colou o casaco. E ele não aguentou:

— A gente se fala mais tarde, certo?

— Talvez, Rique, talvez…. quem sabe…

Ele ficou a assitindo ir até o caixa. Ela passou o cartão, agradeceu a atendente, sorriu ingenuamente para ele e acenou de despedida. Antes que ela saisse pela porta, ele conseguiu fazer a leitura labial dela dizendo:

— Fica bem, tá? Promete?

E, segurando a lágrima, acenou com a cabeça lentamente, pensando: “Eu vou tentar, eu vou tentar…”

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