cenas

Dois furos na cara pra acompanhar um sorriso juvenil

Paro diante do lugar combinado e também da minha ansiedade por entender melhor aquele momento. O motorista confirma o local apontando o dedo para a entrada do estabelecimento. Um hambúrguer de improviso no meio da semana não é nada mal.

Agradeço o piloto. Paro em frente ao local, checo mais uma vez o celular e vejo, acidentalmente, ela olhando o celular pela vitrine da frente. Ela não nota, mas eu fico a olhando dali aquela única mesa ocupada.

Subo as escadas e lá está ela. Linda. Roupa colorida como ela sempre é. Portando os mais irresistíveis dois furinhos bem no meio das bochechas. Um atentado a delicadeza. Um convite a apreciação. Um talento natural da beleza.

Chego fazendo barulho. E ela, com uma saudação tímida. Nos cumprimentamos como dois estranhos que éramos. Sorrio e falo. Ela mal olha no meus olhos. Timidez? Vergonha? Receio? Não importa, eu fiquei aficionado por aquele sorriso nobre de menina simples.

Peço uma sugestão do cardápio, ela me indica com coragem. Vejo as outras opções, por esporte, mas nada mais me agrada. Ela ali, ainda sem saber o que falar direito. Ainda sem entender o que a levou a topar o convite. Eu decido: “Chefe, vão ser dois desse aqui”. Fazemos o mesmo pedido.

Eu sabia que os dias dela tinha sido difíceis. Pelo menos, era o que via. Mas ela mantinha um olhar de tranquilidade, uma respiração fracionada, era como se todas aquelas coisas estranhas que lhe acontecera fosse apenas mais uma parte da vida. Ela sabia disso.

Naturalmente, ela se abria na medida em que via que eu não era um maluco que queria apenas a levar para um encontro brega. Eu estava realmente interessado em saber mais sobre ela, em desvendar aquela coração impulsivamente juvenil, em descobrir quais eram as ideias que guiam aquele coração simples.

Enquanto ela me falava sobre a infância andando de skate com os meninos, sobre a infância atípica, eu pensava que era exatamente isso que eu esperava dela. Ela me falava sobre os pais, sobre a época de colégio, sobre os dias e percebi que tinha vivido muito mais coisas que ela, mas que éramos meio parecidos.

Ela deixou o lanche pela metade. Eu devorava o meu, mas também me alimentava da calmaria do olhar sereno, dos pequenos espasmo de doçura dela enquanto a ouvia atentamente falar sobre tudo. Cada palavra dela me interessava.

Olhava fixo para seu rosto até que sentia o incômodo vagarosamente ir embora e ser trocado pelo sorriso involuntário. Ela fazia piadas como quem queria me divertir, e eu, seduzido pelo bom senso de humor.

Batemos o olho no relógio, e eu, que costumeiramente não paro de matracar historias absurdas como uma coleção de trilogias pessoais sem fim, encerrei o papo. Não sabia se ela estava entediada com minhas histórias, ou se era apenas um pouco de frio que fazia no salão. O restaurante fecharia cedo.

Digo que vou esperar meu motorista e ela oferece carona. Recuso. Eu sei que ela mora bem longe, e que precisa descansar de todo aquele tédio documental que a proporcionei durante a noite. Ela insiste que vai esperar comigo.

Quando o carro aponta, ela me dá um abraço. Firme. Ainda tímida, ela tenta me largar, mas eu a seguro por mais um pouco entre meus braços. Sinto ela relaxar.

Antes de entrar no carro, grito: “Me avisa quando chegar?”. Sem olhar para trás, ela sorri e responde com voz de risada: “Pode deixar”. Abro a porta do carro ainda a olhando.

No caminho pra casa, fico com a fotografia mental daquelas cabelos ainda molhados de quem saiu as pressas de casa, os olhares desgovernados de timidez, aquela roupa colorida e alegre, a boca bem desenhada e as covinhas que enfeitavam o rosto harmônico de uma menina incrível.

Aliás, ela não era só uma menina, era uma mulher que ainda não se deu conta do que tinha se tornado, do que merecia conquistar e de tudo que ainda ia acontecer de bom. Ela era um pote de ouro no fim do arco-íris, que um dia, ia se dar conta de que era uma raridade no meio do comum.

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Não queria que ficasse chateada

O rapaz não hesitava. Sempre que via uma oportunidade de ser realmente engraçado, fazia questão de destilar comentários cômicos para provocar o riso dela.

Ele adorava o jeito que ela tinha de espremer os olhos durante o seu sorriso e esconder a risada com a mão na frente da boca para no final brindar com um breve resmungo de “ai,ai”.

A menina, por sua vez, achava graça do pouco que ele dizia, toda vez que ele insistia em fazer graça, mesmo que com meia dúzia de palavras, ela admitia que era feliz.

Foi numa dessa recuperações de fôlego de tanto rir, que a moça decidiu, manisfestar-se:

— Sabe de uma coisa? Mesmo a gente não tendo nada oficial, eu gosto muito de estar com você. É como se meu dia ficasse melhor ao seu lado.

Silêncio. Nenhuma reação do rapaz. Nem positiva, nem negativa. Era como se a calada da noite velasse um defunto. Dentro do carro fechado, escutava-se apenas a chuva bater na lataria do carro.

A mudez imediata do rapaz vinha acompanhada de mais uma golada intragável de saliva. Todo desconsertado, sem saber direito o que fazer com toda aquela avalanche de constrangimento, ele resolveu disparar:

— Olha, eu queria te contar uma coisa. Mas, não queria que ficasse chateada?

O resto do sorriso que lhes sobravam no canto da boca decidiu ir embora. Sobejava desconfianças de que algo ruim não estava por vir. Escapava-lhe pelos olhos um pouco de tensão.

A menina olhava atenta como quem não fazia ideia do que ia vir. Fechou os olhos com força e os abriu na mesma intensidade. O garoto se ajeitou no banco do carro, virou-se para ela, pegou nas mãos com as pontas dos dedos e insuflou:

— Sabe o que é? A gente realmente se deu bem em tudo desde o começo até o que fizemos até agora. Eu queria que você soubesse que tudo que vivi com você é real e que não há nada que tenhamos vivido que tenha sido encenado.

O coração da garota trancou-se num quarto pequeno do seu corpo como se tivesse voluntariamente sofrido um mal-súbito. O rapaz nem tinha terminado as suas conclusões, e na mente, passeava de mãos dadas com uma sequencia de possíveis caminhos que vinham surgindo como uma fumaça num café quente.

— Eu não to gostando desse papo, Leonardo — não escondia a voz aflita e trêmula de quem mesmo sem conclusão já a tinha bem a frente da sua racionalidade. Inundou os olhos numa angustia sufocante.

— Sá, olhe bem… — tentando acalma-la com uma culpa enorme.

— Não, Léo. O que é que você quer falar? Diga logo de uma vez! — percebeu que subiu a voz mais do que deveria e fingiu não se importar.

— Eu estou tentando te dizer faz uns dias. Eu sei que adiei demais para conversar sobre isso com você, mas é porque a gente estava vivendo dias tão legais que eu não queria quebrar isso. Espero que entenda, mas eu realmente não consigo te amar. Não te odeio, sabe, mas não sinto aquela coisa a mais que a gente sente quando ama.

Mais uma vez, o silêncio encobria o ambiente. A aflição patrocinava o mais absoluto incômodo. Ela recolheu as mãos para suas pernas, abaixou a fronte, puxando repetidamente o ar para dentro enquanto disfarçava o nariz escorrendo. Sem coragem de olhar para a cara dele. O silêncio quebrou-se com um suspiro inaudível:

— Não faz isso comigo… Eu confiei tanto em você...

Pressionava o polega e o indicador um de cada lado da cabeça, bem na altura das sobrancelhas, como um truque para aliviar a dor.

— Eu sei, Sá…Vai parecer cruel agora, mas tenta entender. Não é justo com você e nem comigo que permaneçamos em algo que apesar de ser legal, não tem um sentimento concreto, sabe?

— Dá para parar de repetir isso, seu imbecil?

— Mas… bem… eu to sendo sincero. A gente sempre combinou isso.

— É? Combinou né? Sabe o que mais a gente combinou? De não deixar com que bobeiras atrapalhassem a gente, lembra?

— Isso não é bobeira. Eu juro que tentei entender. Ignorei por um tempo essa falta de sentimento, mas eu não posso mais fingir que amo você como uma namorada. Você é uma menina da qual eu admiro demais, mas eu realmente não pude chegar lá nesse lugar do amor.

Adocicou um pouco a voz como quem tentava recuperar um pouco da sanidade:

— Você me enganou esse tempo todo, foi?

— Não, Sá… Esses dias todos foram realmente algo diferente na minha vida. Eu juro. Só que…

— Só que o que? Você me acha feia? Você cansou de mim? Você achou alguém mais interessante? O que que foi que aconteceu pelo amor de Deus?

— Olha pra mim…. não é nada disso. Eu não sei. Não tem nada de errado com você. Eu não quero mais sentir-me como seu eu tivesse te usando, sei lá. Como se eu tivesse feliz, mas eu não estou. Só peço que entenda que eu tenho também esse direito de encontrar esse amor que eu acredito que exista, saca?

Os olhos já não conseguiam mais simular uma serenidade inexistente.

— Olha, Leonardo, eu nem sei o que te dizer.

— Diga que vai ficar bem.

— Ai, chega. Eu quero ir embora. Estou me sentindo uma idiota.

A garota tateia a porta do carro enquanto tenta enxugar com uma das mãos o rosto até encontrar a maçaneta. Desce do carro com a plena consciência de que aquela será uma cena memorável para o resto da vida. De repente, decide voltar até a janela do carro e deflagra:

— Mas, sabe… eu vou te odiar pelo resto da minha vida por isso.

— Não vai não, Sabrina.

— Eu vou sim!

— Você vai ser feliz. Bem mais do que é agora.

— Vai se foder, Leonardo.

— Não precisava ser assim.

— Você é um idiota. Vai embora.

Só deu o tempo de virar a esquina para que ambos tivessem a mais convicta e plena certeza de que o amor é muito mais que se dar bem.

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Como chegamos aqui?

O silêncio gritante velava toda a mesa. Não sabiam como tinha chegado naquela situação. Ela não havia tocado sequer nas bruschettas preferidas que pediram de entrada. O rosto azedo dele devido ao suco de laranja sem açucar era sua maior expressão.

Ele mantinha os olhos completamente fechados como se enxergar fosse um castigo bárbaro. Ela apenas permanecia ali, de cabeça parcialmente curvada e a franja sobre o rosto, enquanto usava os cotovelos para o apoiar-se sobre a mesa que mal cabia o cardápio e ainda por cima bamba.

Ouvia-se apenas o barulho dos garfos batendo nos dentes das mesas vizinhas. Tamanho mudez era incômoda. No meio da palma da sua mão, ele assistia às alianças, uma dentro da outra, se completando. O dela era 13. O dele 32.

Interrompeu o silêncio com uma dúvida:

— O que eu vou fazer com isso, Milena?

Abatida, ela retrucou de imediato:

— Eu não sei, eu tô me sentindo esquisita também.

O rapaz, insistentemente, recomeça:

— Meu amor, olha… eu entendo isso tudo, mas o que foi que aconteceu? Me conta.

A menina engole a saliva como quem lida com um espinho de peixe na goela:

— Pela primeira vez na vida, o “nada” é só nada mesmo. Eu juro. Eu não sei explicar. Você é um anjo, mas…

— Calma, meu amor, não fala assim..

— Não faz isso, Rique.

— Isso o que?

— Essa coisa de “Meu amor”.

— E como é que te chamo agora?

— Só Mi, por favor.

O rapaz respirou fundo. Fez cara de pensativo e desembuchou:

— Ok! Ok! Presta atenção, e se for uma fase?

— Rique… Não vai ser. Você sabe. Lembra quando me disse que precisaríamos sempre ser honestos? Eu te amo, Rique. Não mais como parceiro, mas nunca posso me esquecer de você. Eu estou apenas perdida nisso há tanto tempo..

—Mas todo mundo é perdido, meu am.. Mi!

A garota sorri com ar de bondade, levanta o rosto do rapaz com as mãos e confessa:

— Escuta aqui, meu bem. A gente construiu tanta coisa juntos que não estamos conseguindo pôr um fim no que não está mais funcionando.

O rosto dele é nitidamente abatido. O semblante da derrota.

— Milena, onde foi que quebrou? Em que lugar a coisa degringolou? Me ajuda a entender… Tava tudo bem até agora, Milena. Pelo amor de Deus.

— Calma, Rique. Vai ficar tudo bem.

— Não vai, Milena.. o que eu vou fazer da minha vida sem você?

—Você vai viver, Rique. Sei lá… Manda aquele chefe cuzão a merda, diz pro seu pai que nunca gostou de pesca, fala para sua mãe que odeia o jeito infantil como ela te faz parecer perto dos outros – embora você também seja às vezes.

Ele não aguenta e ri, mas claramente de desespero.

— Aí ó, você é engraçada. Tá vendo? Podemos nos dar bem novamente.

— Não, escuta… Vá viver.. por você, por mim. Pelo que a gente construiu, Rique.

— Não entendo. Você me diria se houvesse alguém, né?

A garota relaxa os ombros como quem tem a conciencia limpa:

— Você sabe que não sei fingir. Não tem ninguém. Não agora.

— Eu não sei o que pensar, sabe…

—Você passou a vida toda pensando, meu bem. Agora só sinta.

— Eu só quero você comigo feliz novamente, gata.

— Eu não posso estar com você agora. Eu não sei mais quem eu sou. A gente se tornou uma coisa só e chata. Mas não é nossa culpa, entende?

— Eu gosto de ser quem eu sou, Mi.

— Rique, olha pra você. Você é exatamente quem eu quis que você fosse. Não é mais você. Você achava cafona meias estampadas que destoam do look e olha seus pés. Você aprendeu a tomar cerveja fraca porque eu amo…

— Isso é uma coisa boa. Você me ensinou. Me mudou. Me fez melhor.

— Mas eu me perdi nisso tudo… — o silêncio voltava com tudo — você me entende?

— E o que eu faço que com o amor que eu sinto aqui dentro?

— Divida. Você tem tanta gente pra amar ao seu redor.

— Sabe, foi esse seu jeito calmo de explicar as coisas que me encantou em você.

— Riiiiiique…. Prometa que vai sempre usar esse poder de insistência disfarçada de elogio pra ajudar pessoas?

—Essa é nossa última conversa?

— Não, ainda não, Rique. A gente tem bastante coisa para resolver ainda.

— Então, vai ter esse dia?

—Eu preciso ir agora.

— Deu a hora da sua terapia né?

— É.

— Diz a ela pra cuidar bem de você.

— Digo. Se cuida também.

— Eu pago seu café.

— Obrigada.

A garota levantou da mesa. Colou o casaco. E ele não aguentou:

— A gente se fala mais tarde, certo?

— Talvez, Rique, talvez…. quem sabe…

Ele ficou a assitindo ir até o caixa. Ela passou o cartão, agradeceu a atendente, sorriu ingenuamente para ele e acenou de despedida. Antes que ela saisse pela porta, ele conseguiu fazer a leitura labial dela dizendo:

— Fica bem, tá? Promete?

E, segurando a lágrima, acenou com a cabeça lentamente, pensando: “Eu vou tentar, eu vou tentar…”

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