Não queria que ficasse chateada

O rapaz não hesitava. Sempre que via uma oportunidade de ser realmente engraçado, fazia questão de destilar comentários cômicos para provocar o riso dela.

Ele adorava o jeito que ela tinha de espremer os olhos durante o seu sorriso e esconder a risada com a mão na frente da boca para no final brindar com um breve resmungo de “ai,ai”.

A menina, por sua vez, achava graça do pouco que ele dizia, toda vez que ele insistia em fazer graça, mesmo que com meia dúzia de palavras, ela admitia que era feliz.

Foi numa dessa recuperações de fôlego de tanto rir, que a moça decidiu, manisfestar-se:

— Sabe de uma coisa? Mesmo a gente não tendo nada oficial, eu gosto muito de estar com você. É como se meu dia ficasse melhor ao seu lado.

Silêncio. Nenhuma reação do rapaz. Nem positiva, nem negativa. Era como se a calada da noite velasse um defunto. Dentro do carro fechado, escutava-se apenas a chuva bater na lataria do carro.

A mudez imediata do rapaz vinha acompanhada de mais uma golada intragável de saliva. Todo desconsertado, sem saber direito o que fazer com toda aquela avalanche de constrangimento, ele resolveu disparar:

— Olha, eu queria te contar uma coisa. Mas, não queria que ficasse chateada?

O resto do sorriso que lhes sobravam no canto da boca decidiu ir embora. Sobejava desconfianças de que algo ruim não estava por vir. Escapava-lhe pelos olhos um pouco de tensão.

A menina olhava atenta como quem não fazia ideia do que ia vir. Fechou os olhos com força e os abriu na mesma intensidade. O garoto se ajeitou no banco do carro, virou-se para ela, pegou nas mãos com as pontas dos dedos e insuflou:

— Sabe o que é? A gente realmente se deu bem em tudo desde o começo até o que fizemos até agora. Eu queria que você soubesse que tudo que vivi com você é real e que não há nada que tenhamos vivido que tenha sido encenado.

O coração da garota trancou-se num quarto pequeno do seu corpo como se tivesse voluntariamente sofrido um mal-súbito. O rapaz nem tinha terminado as suas conclusões, e na mente, passeava de mãos dadas com uma sequencia de possíveis caminhos que vinham surgindo como uma fumaça num café quente.

— Eu não to gostando desse papo, Leonardo — não escondia a voz aflita e trêmula de quem mesmo sem conclusão já a tinha bem a frente da sua racionalidade. Inundou os olhos numa angustia sufocante.

— Sá, olhe bem… — tentando acalma-la com uma culpa enorme.

— Não, Léo. O que é que você quer falar? Diga logo de uma vez! — percebeu que subiu a voz mais do que deveria e fingiu não se importar.

— Eu estou tentando te dizer faz uns dias. Eu sei que adiei demais para conversar sobre isso com você, mas é porque a gente estava vivendo dias tão legais que eu não queria quebrar isso. Espero que entenda, mas eu realmente não consigo te amar. Não te odeio, sabe, mas não sinto aquela coisa a mais que a gente sente quando ama.

Mais uma vez, o silêncio encobria o ambiente. A aflição patrocinava o mais absoluto incômodo. Ela recolheu as mãos para suas pernas, abaixou a fronte, puxando repetidamente o ar para dentro enquanto disfarçava o nariz escorrendo. Sem coragem de olhar para a cara dele. O silêncio quebrou-se com um suspiro inaudível:

— Não faz isso comigo… Eu confiei tanto em você...

Pressionava o polega e o indicador um de cada lado da cabeça, bem na altura das sobrancelhas, como um truque para aliviar a dor.

— Eu sei, Sá…Vai parecer cruel agora, mas tenta entender. Não é justo com você e nem comigo que permaneçamos em algo que apesar de ser legal, não tem um sentimento concreto, sabe?

— Dá para parar de repetir isso, seu imbecil?

— Mas… bem… eu to sendo sincero. A gente sempre combinou isso.

— É? Combinou né? Sabe o que mais a gente combinou? De não deixar com que bobeiras atrapalhassem a gente, lembra?

— Isso não é bobeira. Eu juro que tentei entender. Ignorei por um tempo essa falta de sentimento, mas eu não posso mais fingir que amo você como uma namorada. Você é uma menina da qual eu admiro demais, mas eu realmente não pude chegar lá nesse lugar do amor.

Adocicou um pouco a voz como quem tentava recuperar um pouco da sanidade:

— Você me enganou esse tempo todo, foi?

— Não, Sá… Esses dias todos foram realmente algo diferente na minha vida. Eu juro. Só que…

— Só que o que? Você me acha feia? Você cansou de mim? Você achou alguém mais interessante? O que que foi que aconteceu pelo amor de Deus?

— Olha pra mim…. não é nada disso. Eu não sei. Não tem nada de errado com você. Eu não quero mais sentir-me como seu eu tivesse te usando, sei lá. Como se eu tivesse feliz, mas eu não estou. Só peço que entenda que eu tenho também esse direito de encontrar esse amor que eu acredito que exista, saca?

Os olhos já não conseguiam mais simular uma serenidade inexistente.

— Olha, Leonardo, eu nem sei o que te dizer.

— Diga que vai ficar bem.

— Ai, chega. Eu quero ir embora. Estou me sentindo uma idiota.

A garota tateia a porta do carro enquanto tenta enxugar com uma das mãos o rosto até encontrar a maçaneta. Desce do carro com a plena consciência de que aquela será uma cena memorável para o resto da vida. De repente, decide voltar até a janela do carro e deflagra:

— Mas, sabe… eu vou te odiar pelo resto da minha vida por isso.

— Não vai não, Sabrina.

— Eu vou sim!

— Você vai ser feliz. Bem mais do que é agora.

— Vai se foder, Leonardo.

— Não precisava ser assim.

— Você é um idiota. Vai embora.

Só deu o tempo de virar a esquina para que ambos tivessem a mais convicta e plena certeza de que o amor é muito mais que se dar bem.

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