Roteiros

Como chegamos aqui?

O silêncio gritante velava toda a mesa. Não sabiam como tinha chegado naquela situação. Ela não havia tocado sequer nas bruschettas preferidas que pediram de entrada. O rosto azedo dele devido ao suco de laranja sem açucar era sua maior expressão.

Ele mantinha os olhos completamente fechados como se enxergar fosse um castigo bárbaro. Ela apenas permanecia ali, de cabeça parcialmente curvada e a franja sobre o rosto, enquanto usava os cotovelos para o apoiar-se sobre a mesa que mal cabia o cardápio e ainda por cima bamba.

Ouvia-se apenas o barulho dos garfos batendo nos dentes das mesas vizinhas. Tamanho mudez era incômoda. No meio da palma da sua mão, ele assistia às alianças, uma dentro da outra, se completando. O dela era 13. O dele 32.

Interrompeu o silêncio com uma dúvida:

— O que eu vou fazer com isso, Milena?

Abatida, ela retrucou de imediato:

— Eu não sei, eu tô me sentindo esquisita também.

O rapaz, insistentemente, recomeça:

— Meu amor, olha… eu entendo isso tudo, mas o que foi que aconteceu? Me conta.

A menina engole a saliva como quem lida com um espinho de peixe na goela:

— Pela primeira vez na vida, o “nada” é só nada mesmo. Eu juro. Eu não sei explicar. Você é um anjo, mas…

— Calma, meu amor, não fala assim..

— Não faz isso, Rique.

— Isso o que?

— Essa coisa de “Meu amor”.

— E como é que te chamo agora?

— Só Mi, por favor.

O rapaz respirou fundo. Fez cara de pensativo e desembuchou:

— Ok! Ok! Presta atenção, e se for uma fase?

— Rique… Não vai ser. Você sabe. Lembra quando me disse que precisaríamos sempre ser honestos? Eu te amo, Rique. Não mais como parceiro, mas nunca posso me esquecer de você. Eu estou apenas perdida nisso há tanto tempo..

—Mas todo mundo é perdido, meu am.. Mi!

A garota sorri com ar de bondade, levanta o rosto do rapaz com as mãos e confessa:

— Escuta aqui, meu bem. A gente construiu tanta coisa juntos que não estamos conseguindo pôr um fim no que não está mais funcionando.

O rosto dele é nitidamente abatido. O semblante da derrota.

— Milena, onde foi que quebrou? Em que lugar a coisa degringolou? Me ajuda a entender… Tava tudo bem até agora, Milena. Pelo amor de Deus.

— Calma, Rique. Vai ficar tudo bem.

— Não vai, Milena.. o que eu vou fazer da minha vida sem você?

—Você vai viver, Rique. Sei lá… Manda aquele chefe cuzão a merda, diz pro seu pai que nunca gostou de pesca, fala para sua mãe que odeia o jeito infantil como ela te faz parecer perto dos outros – embora você também seja às vezes.

Ele não aguenta e ri, mas claramente de desespero.

— Aí ó, você é engraçada. Tá vendo? Podemos nos dar bem novamente.

— Não, escuta… Vá viver.. por você, por mim. Pelo que a gente construiu, Rique.

— Não entendo. Você me diria se houvesse alguém, né?

A garota relaxa os ombros como quem tem a conciencia limpa:

— Você sabe que não sei fingir. Não tem ninguém. Não agora.

— Eu não sei o que pensar, sabe…

—Você passou a vida toda pensando, meu bem. Agora só sinta.

— Eu só quero você comigo feliz novamente, gata.

— Eu não posso estar com você agora. Eu não sei mais quem eu sou. A gente se tornou uma coisa só e chata. Mas não é nossa culpa, entende?

— Eu gosto de ser quem eu sou, Mi.

— Rique, olha pra você. Você é exatamente quem eu quis que você fosse. Não é mais você. Você achava cafona meias estampadas que destoam do look e olha seus pés. Você aprendeu a tomar cerveja fraca porque eu amo…

— Isso é uma coisa boa. Você me ensinou. Me mudou. Me fez melhor.

— Mas eu me perdi nisso tudo… — o silêncio voltava com tudo — você me entende?

— E o que eu faço que com o amor que eu sinto aqui dentro?

— Divida. Você tem tanta gente pra amar ao seu redor.

— Sabe, foi esse seu jeito calmo de explicar as coisas que me encantou em você.

— Riiiiiique…. Prometa que vai sempre usar esse poder de insistência disfarçada de elogio pra ajudar pessoas?

—Essa é nossa última conversa?

— Não, ainda não, Rique. A gente tem bastante coisa para resolver ainda.

— Então, vai ter esse dia?

—Eu preciso ir agora.

— Deu a hora da sua terapia né?

— É.

— Diz a ela pra cuidar bem de você.

— Digo. Se cuida também.

— Eu pago seu café.

— Obrigada.

A garota levantou da mesa. Colou o casaco. E ele não aguentou:

— A gente se fala mais tarde, certo?

— Talvez, Rique, talvez…. quem sabe…

Ele ficou a assitindo ir até o caixa. Ela passou o cartão, agradeceu a atendente, sorriu ingenuamente para ele e acenou de despedida. Antes que ela saisse pela porta, ele conseguiu fazer a leitura labial dela dizendo:

— Fica bem, tá? Promete?

E, segurando a lágrima, acenou com a cabeça lentamente, pensando: “Eu vou tentar, eu vou tentar…”

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