Última coisa

Gabi e Lucas permaneciam sentados na mesa do café. Os dois fingiam que manuseavam o cardápio, mas no fundo, pensavam na conversa anterior. Enquanto olhavam para um ponto fixo, os dois sabiam que tinham acabado de ter um papo difícil sobre o futuro deles.

Acostumado com o casal, que sempre frequentava o local, o garçom ofereceu a sobremesa padrão, enquanto retirava os pratos pela metade. Eles continuavam mudos. Seu Jair percebeu que o clima estava diferente. Ficou com vergonha de insistir, pede licença para se retirar e foi-se.

Lucas, que era um rapaz muito mais velho que Gabi, decidiu retomar o papo esboçando uma ideia em voz alta: 

— No fim, Gabi, foi bom que me disse tudo isso sabia? Eu sempre prezei pela verdade entre a gente e nada mais verdadeiro que a sinceridade dos fatos. Mesmo que seja difícil dizer tudo, é preciso sempre não se esconder diante do outro, né?

A garota constrangida e abalada respondeu:

 — Minha intenção nunca foi te chatear com isso tudo que eu disse, meu .

Lucas com a voz firme, rebateu:

— Ah, eu não estou chateado com essa situação e nem vou ficar. Pelo amor de deus, eu vou ficar bem sim.

Com o rosto satisfeito com a sua própria resposta, continuou:

Primeiro porque você conhece minha história e sabe que nela tem episódios bem mais dramáticos, danosos e com prejuízos mais irreparáveis do que este. Eu tenho a maturidade para saber que a vida tem dessas e sempre ficou tudo bem.

Ele parecia estar realmente bem e isso a incomodava. Ele continuou:

 — Segundo, que este cenário deve ser recorrente para ambos. Eu sempre insisto em dizer que sou como aqueles carros antigos em que todo mundo acha legal e gosta, mas ninguém compra um pra ter na sua garagem.

 — Mas, você está decepcionado comigo porque eu não dou conta de garantir nada agora né? Sei lá, é que eu sou incons…

 — Não estou decepcionado. Na verdade, você me abriu os olhos e me deu uma lucidez da racionalidade diante das coisas. Eu já tinha até esquecido que existia um lado mais lógico em mim. É bom sentir isso.

Silêncio ensurdecedor. A garota decide quebrar o silêncio, mas ele a interrompe:

 — E agora, me dou conta de que você está certa. Meu Deus! A chance disso dar errado é maior do que a de dar certo. Você tem milhares de coisas para viver, muitas experiências para aproveitar e seria completamente insanidade abrir-se para investir nisso agora. Você é tão jovem e eu já passei dos 30. São dois mundos com prioridades diferentes.

Era como se uma luz de entendimento tivesse caído sobre a mente dele. Lucas continuava chocado com a sua descoberta recente de que eles viviam mentalidades diferentes.

— Eu não sei se entendi direito, Lucas - disse a moça com medo da resposta.

 — Você…. Você ainda está naquele pique rápido de vida, querendo viver tudo e viver logo. Ao mesmo tempo em que não quer nada que seja muito concreto e rígido. Por outro lado, eu já vivi muita coisa em pouco tempo e deveria sair da sua frente para te deixar correr essa maratona… As suas dúvidas me despertam para uma realidade que eu já tinha perdido de vista: É loucura querer viver isso tudo. 

 — Mas a gente se dá super bem, Lucas. Não acho que seja isso.

 — Sim, mas afinidades não são suficiente para promover sentimentos profundos. Só que, eu costumava gostar das loucuras porque sempre foram elas que me empurraram. Talvez eu tenha perdido a passada das aventuras. 

 —  Não tô gostando desse papo, Lu…

O rosto surpreso dele como se fosse um cientista que descobriu algo importante era intacto. Ele prosseguiu:

 — Eu, por querer, me coloquei a acreditar que as coisas são mais simples do que são, porque para mim, as coisas sempre são simples e leves, mas não percebi que estava indo na direção errada mais uma vez…

Ela ainda o olhava com cara de interrogação, enquanto ele disparava a falar sem parar:

 — É claro. O mundo é enorme para você e ainda precisa andar mais e saber quando diminuir velocidade das coisas, precisa errar mais e aprender com tudo e até a perder mais e saber quando está no lucro. É boba pra você a ideia de aninhar-se num mundo de possiblidades. Estacionar é errado num mundo de estradas longas. Bingo.

Silêncio sepulcral novamente. Os dois fazem um breve contato visual e em seguida olham a volta. Parece patético aquela conversa. Ela respira fundo e recomeça:

 — Sabe, Lu. Você já viveu tanta coisa e eu ainda nem comecei a vida. Eu sinto que estou te fazendo mal com esse meu jeito inseguro e instável. É só por isso que eu não sugeri de não continuarmos com isso. Eu gosto de você, mas eu…

O rapaz pensa por mais três segundos antes de interrompê-la novamente. Aproxima-se dela, segura nas mãos e explica devagar com palavras calculadas:

 — Era óbvio que eu seria este caminhão pesado e cheio de coisas que você não sabe o que fazer. É que eu não consigo mais perder minha vida em fingimentos bobos e viver uma simulação de felicidade programada. Eu sempre optei pela realidade do que estava a minha frente, e por um descuido, eu vi só você em tela cheia quando tinha tantas outras coisas nesta cena.

Ela encheu o olhos de água. O rapaz solta as mãos dela, repensa para falar e decide continuar:

— Neste momento, eu me sinto como a vida de um agricultor que não deve colocar seus recursos em lugares que floresce menos do que precisa, que deve querer chuva mas nem tanta, que deve torcer pro sol aparecer, mas agradecer quando chegar a noite.

 — Por que está falando isso pra mim? — resmungou num som quase inaudível a menina.

 — Gabi, eu sempre vivi minha vida apostando alto e ganhando, sempre me dediquei profundamente a tudo que queria com maior vontade e disposição, e tive bastante resultados, mas, ás vezes, isso não é o suficiente. Às vezes, tudo que você tem não é nada do que outro precisa. E é esse o lance.

 — Mas eu não sei mesmo o que será amanhã, Lu. Como posso garantir algo que não sei, entende?

 — Gabi, eu sempre coordenei minha vida para saber que, se eu não existisse mais amanhã, não teria devido amor, afeto, dedicação e carinho a ninguém. Acho que tenho feito um bom trabalho. Eu sempre fiz questão de estar, de ser, de sentir e de deixar claro as emoções que tenho, mas isso, é apenas o meu jeito de ser. Por outro lado, eu sei que este é meu maior valor e que esta é uma virtude que anda em falta, e então, ao invés de ter que descobrir amanhã que eu não soube distribuir direito toda essa atenção, todo esse afeto e cuidado, eu prezo por entregar a quem faz disso o seu maior presente da vida.

 — Eu estou sem palavras enquanto você diz tudo isso com a maior naturalidade. Porque você é assim, meu?

 — Eu descobri que não posso fazer ninguém amar ou querer ficar, nem muito menos fazer alguém trair seus sentimentos. Não há pendências, então, da mesma forma que eu sei ser um bom anfitrião e receber pessoas na minha vida, eu sou consciente de saber quando aparecer e quando não, sei estar feliz e grato por não ter fingido nada em nenhum minuto.

 — Mas não é que eu não te quero, entende?

 — Eu não posso prever como as pessoas reagirão quando o peso de quem eu sou cair no colo delas. Algumas não querem, outras não precisam, outras não se importam, outras acham demais, ainda outras só não estão na mesma estação que estou.

 — E como vai ser daqui pra frente?

— Eu percebi que tenho que voltar um passo atrás na vida e canalizar minhas energias no trabalho, nos amigos e nos projetos pessoais, sei lá. Porque este é o meu futuro mais óbvio. Como foram os meus últimos anos. É isso que eu tenho pra viver daqui pra frente até que um dia alguém queira pegar o mesmo caminho.

A moça claramente deixou o rosto todo triste. Lucas a abraçou novamente, pegou no maxilar dela e disse:

 — De qualquer forma, Gabi, eu ainda estou perto, mas eu vou sentar em outro lugar neste voo. Numa poltrona do corredor em que eu consiga te ver e estar perto quando quiser me mostrar uma nuvem esquisita na janela e rir. Mas sabendo que estamos indo para lugares diferentes.

— Eu não quero você longe, Lu. Eu gosto de você. Só não posso te dar isso agora, entende?

 — Não se culpe, não me culpe. Apenas vá viver a vida levando um pouco desse tempo bom que existiu para conseguir seu espaço, suas coisas e desenhar a sua vida. Você é foda, Gabi! Ainda não sente, mas é forte. Ainda não vê, mas é uma pessoa gigante. Ainda não entende, mas é sensível. Essa é você. 

Ela permanece quieta e ele finaliza:

 — Como sempre digo: Um dia, você vai entender a pessoa extraordinária que é, com todos os pequenos detalhes que eu sempre curti em você. Aí, quando encontrar um lugar seguro para permanecer a vida toda, não terá receios de viver aquele momento. Sentirá que é a melhor decisão da sua vida. Neste dia, eu vou saber que você descobriu que era incrível para alguém e esse alguém é incrível para você. E eu vou sorrir, mesmo daqui, por saber que conseguimos. Chegamos lá.

O rapaz abre a carteira, deixa meia dúzia de notas na mesa e se levanta. Dá um último abraço nela, um beijo na testa e sai andando como quem tem pressa de viver. Quando já tá meio distante, ele grita:

 — Viu, última coisa: Você merece o mundo inteiro….. e obrigado até aqui.

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