O que ninguém te fala sobre não ter medo de ser a si mesmo

Sento com amigos na mesa do bar — que é a minha ágora filosófica — e percebo que estão falando sobre ter coragem.

Uma amiga muito querida, com o maior tom de respeito do mundo, me pergunta: 

 — Como que é mesmo aquela sua teoria/história que você se tornou um ex-medroso?

 — O correto é ex-covarde! E não é invenção minha não...tenho que corrigi-la para não cometer injustiças — …essa história é do Nelson, o Rodrigues.

Há essas alturas, tinha apenas um dedo de gole no meu copo. Faço sinal indicando que preciso que encham. Dou uma bicada gulosa até a espuma ficar no meu próprio bigode. Limpo apressadamente com os punhos e disparo:

 —  Olha, o que houve foi que descobri que não tenho mais medos bobos.

O silêncio assemelha-se a um constrangimento ímpar do confessionário. O espanto inicial diante da minha frase foi logo se transformando em rostos viciadamente desconfiados. 

Era como se eu, num descuido acidental, tivesse cometido o pecado da inocência. Antes que desse pano para manga com conclusões prévias e já sentindo o cheiro da ansiedade no seu ápice, decido explicar: 

Vocês têm alguns minutos sobrando aí? Essa história é realmente boa demais”.

Eles se entreolham como um juri culpado e decidem me dar o benefício da dúvida. Nesse ponto, a curiosidade era maior que o tédio.

“ — Olhe bem para mim. O que vocês vêem?

Faço mais um pausa breve. Em seguida, não paro mais de falar: 

 — Eu sou um garoto de 28 anos, mas que parece ter vivido muito mais do que isso. Outro dia, estava pensando que, depois de uma certa idade, tive poucos medos reais. 

Prevendo que iam tomar minha fala como um discurso heroico de autoproclamamento - e esse papo de gente-herói é tudo besteira - insisti em permanecer com a palavra:

 —  Quase nada realmente me apavorou depois de algumas experiências. Hoje, quando olho para minha vida e vejo o tanto que ela mudou, evoluiu, sobreviveu, se perdeu, transformou,  poucas coisas têm o poder de me assustar.

Comecei a missa. Botei-me a explicar que, ainda na época do vestibular, tive a coragem de explicar para meus pais — depois de um ano fazendo cursinho totalmente focado em biológicas —  porque havia decidido que ia migrar minha inscrição do curso de biologia para jornalismo nos 42' do segundo tempo. (Para ser exato, mudei bem na hora de preencher o formulário da inscrição.)

Esta coragem, obviamente, resultou precisamente na minha profissão. E com ela, veio a satisfação de transformar o que mais amo fazer hoje em ofício.

Não me vejo fazendo mais nada desta vida. Poderia sim ter sido um bom biólogo, mas jamais seria feliz. Sem aquela coragem, me tornaria um profissional frustrado pelas escolhas alheias.

Não convencidos com meu pequeno exemplo juvenil, tive que sacar outra carta mais alta: Expliquei a eles que, mais tarde, por excesso de coragem, decidi não mais despedir da mulher que amava e quando vi, estava me casando aos 25 anos de idade.

Ali na mesa, lembrei meus contemporâneos, da insanidade que é em nossa época, tomar tal atitude.

Concordamos todos que isso era realmente uma demostração louca de coragem. Era quase como confessar um crime sem justificativa. A valentia começou a fica evidente. 

Continuei explicando que encontrar o que pensava ser a mulher da minha vida, ao invés de me colocar diante do medo inibidor, fez o efeito contrário. Foi a gasolina pura. Não tive dúvidas um dia sequer sobre esta decisão. Passar os dias da vida ao lado de um amor requer uma dose grande de coragem. 

— Mas nem um pinguinho de medo?, me perguntava um deles tentando ainda encontrar uma fraqueza contra isso tudo.

Os contei que realmente não fazia ideias do que ia vir, mas que andava sem receio do futuro incerto, sem me preocupar como íamos conseguir pagar todas as contas durante anos. Fomos corajosos. Pelo menos diante da nossa geração inteira.

Tive que explicar que o medo nunca foi um problema pra quem é convicto do que quer.

Contei que antes, consultamos umas pessoas, fizemos umas contas numa planilha do Excel, arrumamos um outro bico de fotógrafos, botamos a mão na massa no que precisava colocar e conseguimos, com a energia da nossa juventude, patrocinar de maneira milagrosa boa parte dessa loucura de unir-se. Não me arrependo de nada.

Anos depois, um golpe. Forte. De derrubar campeões. Tive outro encontro forçado com a coragem. Descobri que não existe amor imbatível, infinito e ilimitado. 

Até mesmo os amores que se dão bem podem um dia não existirem mais, não resistirem viver mais com objetivos distintos, e por melhor que tudo pareça estar, algumas coisas podem sair do controle.

Mas e a tal coragem? Meu amigo, se você soubesse a coragem que tem que ter para deixar um amor de anos ir embora, não me perguntaria nunca mais sobre isso.

 — É barra, né?, exclamou um deles.

Foi ai que contei que ao invés de choramingar pelos cantos, tratei de guardar as melhores lembranças, frases, momentos e tratei de invocar a coragem para deixar as muitas bagagens que carregava de lado.

Disse a eles que o amor me deu um soco forte, mas nunca tive medo de apanhar, que ele sempre perdia para minha convicção, que eu nunca achei que fosse ganhar todas as lutas, mas que sabia o que queria.

Eu já tinha falado uns 10 minutos. Tá, talvez 20. Lembre-me de dar mais uma gole no copo que agora tava quase em temperatura ambiente. Viro tudo que tava nele e repito o sinal pedindo mais.

Faço silêncio imaginando que, nessa altura do papo, eles havia cansado de me ouvir. A menina da ponta da mesa deflagra: 

— Ah, e também,  infelizmente, teve aquele dia, né? Sabe do que estou falando..

Dou um pequeno sorriso e falo: 

 — É, o dia que perdi uma das melhores pessoas da minha vida.

 Recontei a história toda. E eles ficaram me olhando sem saber o que dizer.

Tive que concluir: 

 — Entende? Depois de tudo isso, amigo, ia ter medo de que? De ser mal interpretado? De ser julgado por uma simples opinião? De deixar de falar de algo que acredito? De como vão me avaliar quando falo das coisas que sou convicto? De ter sido casado? Do meu passado? Da solidão? Da sensação de fracasso? Do medo do que estão por vir? De ter minhas percepções sobre Deus e a fé? De falar sobre meu olhar político do mundo? Da morte? Medo de gente que nem sequer sabe o que pensa? 

O que ninguém te fala sobre não ter medo de ser a si mesmo é que para ter coragem, têm que ter vivido um pouco, sofrido muito e encontrado consigo mesmo neste caminho.

Eu me dei conta que não tinha mais medo de muita coisa. Finalizei explicando para eles que, hoje, eu posso apontar para cada um que se esconde atrás da sua falta de atrevimento e sustentar a minha insolência, patrocinar a minha ousadia e invocar a minha petulância, porque eu, finalmente, sou um ex-covarde. Conforme Nelson dizia.

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