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Nem esquerda, nem direita. O problema do Brasil sempre foi o canalha

Um dos hábitos mais estranhos que tenho é terminar a leitura de Nelson e iniciá-la novamente. Eu o releio como um folhetim de missa. Nelson não morre.

Poucos escritores falaram tanto sobre o personagem do canalha quanto ele. Sempre que revisito suas crônicas, sou novamente surpreendido por uma nova e brilhante ideia rodriguiana de que o Brasil é um país em que o canalha sempre teve seu espaço sagrado.

Na última leitura, fui presenteado pelo autor com uma daquelas notas mentais que de tão lúcidas, certeiras e atemporais são quase inéditas:

“Só o canalha precisa de uma ideologia que o justifique e o absolva”.

Grifei mentalmente. Era como se Nelson — o único brasileiro legítimo — Tivesse vivo e assistindo o mundo de hoje. A frase bateu nos meus olhos, timbrou no meu cérebro como um sino de igreja e fixou com caneta permanente em negrito.

Era como se Nelson tivesse, lá dos anos 60, previsto o futuro aqui agora. Sábio e vivido, ele tinha uma certeza: O canalha é o pior dos indivíduos. E nada mais comum, popular e clássico nos dias de hoje do que a figura do canalha.

Para além da esquerda e da direita

Nunca me enganei. Há idiotas por toda parte. Esta não é uma condição exclusiva dos conservadores, nem tampouco restrita aos progressistas. Ser essencialmente crápula é a única coisa democrática do discurso polarizado atual.

Acuso sem medo de cometer injustiça: O atual homem politizado idolatra o mais sujo, desonesto e vigarista modo de emburrecer.

Por mais que exista um glamour em se dizer um sujeito politizado, no fundo, isso tudo não passa de uma encenação feita por dublês. E nas suas atuações coordenadas e aclamadas pelo seu próprio métier, fingem uma intelectualidade sofisticada que nada mais é que balbuciar bobagens em papos políticos de bares.

O canalha não se importa com a realidade. Ele pratica os seus recortes de fatos, simula situações favoráveis ao que pensa, edita descaradamente os pontos e dá a luz a sua mais completa convicção sequestrada. O canalha é um ótimo fingidor.

É justamente o canalha partidário que vicia-se a olhar apenas para um lado, que cooptam pessoas com argumentos falsos, que manipula mentes para provar um ponto, que mistifica o adversário com lendas infundáveis e que pirateia os discursos mais comuns.

Os assuntos relacionados ao mundo da política tem se tornado o lugar em que menos se encontra a inteligência. Isso porque temos o cenário em que o burro é o voluntariamente burro. O resultado disso é que estamos sofrendo um atentado à construção da inteligência.

Há sim terroristas intelectuais por toda faúna partidária

Em todas as matrizes políticas, temos que lidar com sujeitos comprometidos até as tampas com sua retaguarda aliada. E para preservar toda uma entidade, acabam por forjar a lógica, por toparem passar vergonhas públicas, por burlar as obviedades, enganar-se a si mesmo e falsear seus óculos para fingir um contexto que não se justifica.

São pessoas que colocam suas paixões a frente da sua obrigação com a realidade — sobretudo minha classe de jornalistas — que escolheram fraudar o incontestável para imitar um mundo que nunca existiu, procuram lesar profundamente seus oponentes com truques sujos de reputação e até assumir o ponto de simular emoções e inflamar sentimentos por esporte.

Os canalhas estão sempre preocupados em trampolinar com a desgraça alheia, em protagonizar o seu inimigo nos discursos públicos e usurpar os espaços de debate para lançar ostensivas mentiras que favoreçam um discurso pessoal.

E a mentira não tem lado. Pelo menos, não no ambiente político. Não há santos e demônios afiliados às esquerdas ou a direita. Há gente desonesta por toda parte. A esquerda mente enquanto a direita falsifica e vice e versa.

Basta checar que a militânica tem ocupado espaços que antes pertencia apenas a ladrões, falsificadores e enganadores. Chegamos ao evidente contexto em que tudo é sobre narrar e nada sobre o que restritamente se é. Quem tem mais braço de narrar ganha a versão mais impactante da história.

O fenômeno da bolha

Todo canalha só consegue viver com outros igualmente canalhas. Repare bem como em absolutamente todas as suas relações consideradas saudáveis, diante das rodas sociais que frequenta, ele procura sempre frequentar lugares em que sua radicalidade se cria.

Basta observar que o canalha apenas sente-se confortável nos locais que pode dizer sua meia dúzias de opiniões favoritas e ser aplaudido pelo seu grupo. Discursa suas palestras ideológicas misturada com a arrogância visível e a sua inocência inexperiente, e acaba por expor sua nudez intelectiva, sua radicalidade fruto da insegurança e seu perfil essencialmente bélico para esconder uma intenção particular.

Mas, no fim, é tudo bafo de boca. Toda aquela profunda rigidez do discurso inflamado, desaparece quando o convoca para morrer pelo que acredita.

Basta retirá-lo o canalha do seu bando para que se transforme num sereno negociador de diplomacias.

É por isso, que toda a fala do canalha é para recrutar. Repare bem, independente do teor do discurso, há sempre alguém tentando te convencer de que seu lado político é o melhor para pertencer. Ninguém quer sofrer sozinho.

Como identificar e desviar-se de um canalha

O canalha político é mais que um termo. É o reflexo de uma falta de caráter. É nada mais que a quintessência da figura patética que estamos nos tornando. Primeiro passo para evitar um canalha é saber reconhece-lo. (E, às vezes, fazer isso na frente do espelho).

O canalha é um de trás das cortinas e outro diante da plateia. Ele se esconde na educação ou erudição, mas perde as estribeiras diante de uma acusação. Sorri diante dos holofotes, mas se torna o pivô das confusões cotidiana, faz questão de afastar-se da corrupção, mesmo que seja peça fundamental para a falcatrua ornamental da desonestidade.

Desviar de um canalha, ou de se tornar um canalha é um trabalho minucioso. Temos que observar bem para que não caiamos nessa.

Basta reconhecer que de todas as paixões de um canalha, três principais se destacam: O discurso da razão plena, o domínio sobre a narrativa e o poder sobre o outro.

Não se enganem, para ser um canalha de marca maior não basta ser escroto, tem que carregar por onde anda aquele ar ufanoso de inatingido, tem que colecionar o altivo modo de não dar o braço a torcer.

Para o canalha, a aparência de superior é seu maior patrimônio. Carrega consigo a plena convicção de que que detém o único discurso correto no mundo.

Nelson estava mais que certo: Só o canalha precisa de uma ideologia que o justifique e o absolva.

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O que ninguém te fala sobre não se importar com a verdade

Ser jornalista me faz ficar preocupado com a ideia atual de que não existe mais verdade e mentira. Tentar relativizar ou moldar — para não dizer distorcer — conceitos à uma realidade pessoal parece algo bem perigoso.

Decidimos, sem pensar nas consequências disso, assumir que a verdade é tudo que está a nosso favor. E, aquilo que não nos apoia deverá ser rotulado como mentira. O truque é antigo, mas hoje fica evidente.

Quanto os fatos ocorridos em si, que são quem realmente merece atenção, eles pouco importam. Se algo está em lado oposto àquilo que pensamos, vemos abundar os eufemismos. Agora, se caso algo faça-nos sentir ameaçados, expostos ou desconfortáveis, a gente abandona os acontecimentos concretos e passa a adaptá-los.

A razão deste texto é entender que o problema não são mentiras que circulam.Somos nós. Um estudo diz que A desonestidade é inerente a nossa realidade humana e transpassa por todas as esferas da nossa vida. Até aí, não há muita novidade, mas e quando isso torna-se insuportável por ter permeado todas as esferas da vida? Estamos definitivamente na era da pós-verdade.

Pós-verdade quer dizer o que?

Ralph Keynes em seu livro A Era da Pós-Verdade: Desonestidade e Decepção na Vida Contemporânea (2004) traz o conceito daquilo que ele chamou de pós-verdade.

Este termo foi também eleito pelo Oxford Dictionaries como a palavra do ano em 2016. E o site oficial pontuou que, no caso do termo em inglês, post-truth, a palavra “post” não está ligado a um tempo posterior de um acontecimento, como quando alguém diz pós-guerra, mas sim tem a conotação de superação, como se aquilo já não tivesse muita importância.

Segundo o editor do dicionário, a pós-verdade foi usada pela primeira vez nesse sentido em 1992, em um dos ensaios do sérvio-americano Steve Tesich na revista The Nation. O contexto era que ele estava refletindo sobre o escândalo contra o Irã a Guerra do Golfo. No texto, Tesich relatou que “nós, como pessoas livres, decidimos livremente que queremos viver em algum mundo pós-verdade”.

Mas o que nós temos a ver com isso?

Por mais que o termo tenha sido usado mais recentemente no âmbito político, hoje é totalmente visível que não estamos mais atentos ao que, de fato aconteceu. Assumimos discursos sem se importar com aquilo que está por trás, sem ter condições de checar muitas vezes, sem a preocupação de certificar-se que a verdade assumida é o mais próximo da realidade.

E isso não é exclusividade da imprensa, este é o nosso dia-dia. Estamos sempre compartilhando mensagens caluniosas sobre os políticos que não somos simpáticos, modificando discursos de pessoas que não aprovamos determinados comportamentos, substituindo significados para responder as nossas demandas ideológicas, ocultando elementos de uma história para vender outras. Somos parte da gênese deste monstro que criticamos.

A grande discussão sobre as Fake News e como elas impactam a política é a maior prova de como esse conceito afeta a realidade a nossa volta. Além disso, há uma tentativa enorme de mudar a linguagem e os significados dos seus verbetes apenas para servir realidades ideológicas, existe uma grande tentativa de trazer significâncias modificadas a terminologias que antes era bem consolidadas.

O resultado dessa mudança no discurso lotado de pós-verdades é que passamos a adotar um perigo eminente de justificar qualquer horror em nome do relativismo. Os flagrantes já não provam mais nada, todo fato concreto precisará driblar as versões alternativas para se sustentar, ainda que ele seja comprovado.

As redes sociais ampliaram ainda mais essa discussão. Qualquer figura pública pode hoje fornecer opiniões em praticamente tudo sem que haja investigação. Sem contar que qualquer pessoa hoje pode se tornar um emissor de opinião sem que haja responsabilidade. Os algoritmos também não contribuem fortalecendo uma burrice monocultural que transforma o mundo em um grande condomínio fechado e agrava mais ainda os radicalismo.

Para fechar, em uma cultura de culto à personalidade, a identidade ultrapassa os argumentos. Sem contar a crescente perda de interesse nas evidências. Estamos mais abertos a receber aquilo que nos ajuda a propagar nossas ideias, e totalmente agressivos com o oposto. O resultado disso tudo é uma sociedade radical, que emite mentiras sem medo do que podem estar fazendo, que vivem cada vez mais em guetos mentais e que perderam de vista totalmente a noção de confiança e credibilidade.

A verdade já não importa. Importante mesmo é como ela pode servir a nós e ao grupo que pertencemos. O resto, a gente apenas ignora.

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